Para as famílias com crianças autistas, entender e defender os seus direitos é essencial para garantir uma vida mais inclusiva. No Brasil, existem leis e políticas destinadas a proteger e promover os direitos das pessoas com autismo, e é fundamental que as famílias estejam cientes delas para garantir que seus filhos tenham acesso a todos os recursos e apoios de que precisam. Por aqui, vamos conhecer alguns desses direitos e como as famílias podem ser protegidas por eles.
Um breve histórico de leis
A Lei n.° 12.764/12, conhecida como Lei Berenice Piana ou Lei do Autismo, foi um marco importante na legislação brasileira relacionada ao autismo. Promulgada em 27 de dezembro de 2012, essa lei instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista. Ela estabeleceu diretrizes para políticas públicas, programas e ações voltadas para o atendimento, a proteção e a promoção dos direitos das pessoas com autismo, abrangendo diversas áreas, como saúde, educação, trabalho e assistência social.
Já em 2015 a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência de n.º 13.146/2015, criou o Estatuto da Pessoa com Deficiência, que aumentou a proteção ás pessoas com o diagnóstico de TEA ao definir a pessoa com deficiência como “aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial”, enquadrando melhor as pessoas com autismo. O Estatuto é um símbolo importante na defesa da igualdade de direitos dos deficientes, do combate à discriminação e da regulamentação da acessibilidade e do atendimento prioritário.
E em 2020 entrou em vigor a Lei 13.977, conhecida como Lei Romeo Mion. O texto criou a Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (Ciptea), emitida de forma gratuita, sob responsabilidade de estados e municípios. O documento é um substituto para o atestado médico e tem o papel de facilitar o acesso a direitos previstos na Lei Berenice Piana.
Autismo é deficiência?
Agora vamos falar de uma dúvida muito importante quando abordamos este assunto – para finalidades de direitos, o autismo é considerado deficiência?
Sim, para fins de legislação, o autismo é considerado uma deficiência.
Ao reconhecer o autismo como uma deficiência, a legislação brasileira estabelece direitos específicos para pessoas autistas, incluindo acesso à educação inclusiva, atendimento de saúde especializado, proteção contra discriminação e acesso a benefícios sociais e trabalhistas.
Mas este assunto ainda é bastante amplo, inclusive dá uma olhada neste outro artigo em que o abordo, de maneira mais detalhada.
Então, autismo é doença?
Não autismo não é doença, mas sim uma condição do neurodesenvolvimento. Enquanto as doenças são geralmente condições médicas que envolvem alterações no funcionamento do corpo e frequentemente têm causas específicas, o autismo é uma condição complexa que afeta o desenvolvimento do cérebro, resultando em diferenças na comunicação, interação social, comportamento e processamento sensorial. Entretanto, para fins legais e proteção dos direitos ele é enquadrado como deficiência, inclusive, considerando que o autismo possa se manifestar de maneiras diferentes em cada pessoa.
Equidade no autismo
Agora, vamos falar sobre a equidade, que no contexto do autismo, refere-se à garantia de que todas as pessoas, independentemente de suas habilidades, características ou condições específicas, tenham acesso igualitário a oportunidades, recursos e serviços necessários para alcançar uma vida plena.
A equidade reconhece e respeita as diferenças individuais das pessoas com autismo, promovendo a inclusão e a igualdade de direitos em todos os aspectos da vida. Isso significa que as políticas, programas e serviços devem ser projetados e implementados levando em consideração as necessidades e particularidades das pessoas autistas, garantindo que elas tenham acesso a apoios e adaptações que as auxiliem a participar ativamente em todas as esferas da sociedade.
Os direitos dos autistas, na prática
ação inclusiva, onde as escolas devem garantir adaptações e apoios necessários para que crianças autistas possam aprender em um ambiente adequado às suas necessidades, não podendo, inclusive, negar a matrícula.
Acesso aos serviços de saúde e intervenções especializadas: As pessoas autistas têm direito a receber atendimento médico adequado, incluindo diagnóstico precoce e tratamento especializado. O Sistema Único de Saúde (SUS) oferece atendimento gratuito para pessoas com autismo, dando o direito de atendimento especializado e acesso a profissionais qualificados, como psicólogos, terapeutas ocupacionais e fonoaudiólogos, para ajudar no desenvolvimento e bem-estar de seus filhos, embora saibamos que essas famílias terão que enfrentar todos os desafios que existem na saúde pública.
Oportunidades de trabalho e participação na vida profissional: Quando crianças autistas se tornam adultas, elas recebem o direito de buscar emprego e participar da vida profissional. A Lei de Cotas (Lei nº 8.213/1991) reserva vagas para pessoas com deficiência nas empresas com mais de 100 funcionários, garantindo oportunidades iguais de trabalho.
Acesso a espaços públicos e participação na vida comunitária: As pessoas autistas têm o direito de acessar espaços públicos, participar de atividades sociais e culturais, e serem incluídas em todas as esferas da comunidade, sem discriminação ou exclusão.
Acessibilidade: Todas as pessoas, incluindo autistas, têm o direito de acessar espaços públicos, transporte e serviços sem enfrentar barreiras. A Lei de Acessibilidade (Lei n.º 10.098/2000) estabelece padrões para tornar ambientes físicos e virtuais acessíveis a todos, incluindo pessoas com deficiência, como autistas.
Direitos Sociais: Além dos direitos específicos, pessoas com autismo têm direito a benefícios sociais, como o Benefício de Prestação Continuada (BPC), destinado a pessoas com deficiência em situação de vulnerabilidade socioeconômica.
Identificação no RG: A pessoa com autismo tem o direito de solicitar a identificação no Registro Geral (RG) como pessoa com deficiência. Isso é importante para que a pessoa possa ter acesso aos direitos e benefícios garantidos pela legislação, bem como para facilitar o acesso a serviços e apoios específicos.
Meia entrada: Conforme a legislação brasileira, pessoas com deficiência, incluindo crianças autistas, têm direito à meia-entrada em eventos culturais, esportivos e de lazer. Isso é estabelecido pela Lei Federal n.º 12.933/2013, que regulamenta o benefício da meia-entrada em todo o país. Para ter direito à meia-entrada, a pessoa com autismo deve apresentar a carteira de identificação emitida pelo órgão responsável pela execução da política de atendimento às pessoas com deficiência no município onde reside ou pelo Estado. Essa carteira de identificação deve conter informações que comprovem a condição de deficiência, facilitando o acesso ao benefício da meia-entrada em eventos culturais, esportivos e de lazer.
E o atendimento prioritário?
Crianças autistas têm direito a atendimento prioritário em diversos contextos, de acordo com a legislação brasileira e políticas públicas voltadas para a inclusão de pessoas com deficiência.
Atendimento de saúde: Conforme a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei n.º 13.146/2015), as crianças autistas têm direito a atendimento prioritário nos serviços de saúde, garantindo acesso rápido e adequado a diagnóstico, tratamento e terapias especializadas.
Educação: No contexto educacional, as crianças autistas têm direito a atendimento prioritário para garantir uma educação inclusiva de qualidade. Isso pode incluir a disponibilidade de vagas em escolas regulares com estrutura e recursos adequados para atender às necessidades específicas das crianças autistas, além do apoio de profissionais especializados em educação inclusiva.
Acesso a serviços públicos: As crianças autistas e suas famílias também têm direito a atendimento prioritário em serviços públicos essenciais, como transporte, atendimento em repartições públicas, entre outros, garantindo que possam acessar esses serviços de forma mais ágil e eficiente.
É importante ressaltar que a prioridade no atendimento não se trata apenas de um benefício, mas sim de um direito garantido por lei, visando assegurar que as crianças autistas tenham acesso igualitário aos serviços e recursos necessários para seu desenvolvimento e bem-estar. As famílias podem e devem exigir o cumprimento desses direitos, buscando apoio de órgãos responsáveis pela defesa dos direitos das pessoas com deficiência, sempre que necessário.
Como defender os direitos das crianças autistas?
Conheça a legislação: Familiarize-se com as leis e políticas que protegem os direitos das pessoas com autismo no Brasil. Inclusive, as redes sociais são uma excelente ferramenta nesta busca.
Conheça os serviços oferecidos na sua cidade: Esteja preparado para defender os direitos de seu filho, seja na escola, no sistema de saúde ou em outras instituições. Se necessário, busque apoio de organizações de defesa dos direitos das pessoas com autismo.
Rede de apoio: Conecte-se com outras famílias e profissionais que tenham experiência em lidar com questões relacionadas ao autismo. Compartilhar experiências e recursos pode ser incrivelmente útil.
Autodefesa e autonomia: Capacite seu filho autista, desde tenra idade, a entender seus próprios direitos e a se defender. Isso pode ajudá-los a desenvolver habilidades de autodefesa ao longo da vida.
Os direitos dos autistas na realidade
Aqui eu abordei alguns dos direitos, com maior impacto na vida das crianças. A minha especialidade é a Terapia Ocupacional, portanto, vocês podem buscar aprimorar o conhecimento sobre este assunto com profissionais do direito.
Mas o meu objetivo aqui é de te instigar como família para que vocês se apropriem dos seus direitos e espaços.
Entendo que, por vezes, a aplicação real desses direitos pode ser algo bem desafiador e eu lamento demais por isto. Inclusive, este artigo é uma forma de contribuição para mudar essa realidade.
Porém, aqui, quero te fazer refletir que ao entender e defender os direitos de seus filhos autistas, vocês não apenas os capacitam a alcançar seu pleno potencial, mas também contribuem para uma sociedade melhor.
Promover os direitos das pessoas com autismo requer o compromisso de toda a sociedade em reconhecer e valorizar a diversidade, respeitar esses direitos e trabalhar em conjunto para construir uma sociedade mais justa e inclusiva para todos.
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