A aprendizagem por observação é um aspecto extraordinário da mente humana; quem trabalha com desenvolvimento humano, é geralmente fascinado por esta área. Aprender por observação nos permite adquirir novas habilidades e comportamentos simplesmente ao observar o como outras pessoas agem. E por trás desse fenômeno enigmático estão os neurônios espelho, uma descoberta revolucionária que tem intrigado cientistas e educadores por décadas. Neste artigo, exploraremos mais a fundo o funcionamento dos neurônios espelho e seu papel na aprendizagem por observação.
O que são neurônios espelho?
Os neurônios espelho, também conhecidos como neurônios de espelho, foram descobertos pela primeira vez durante estudos neurofisiológicos na década de 1990. Eles foram descobertos por Giacomo Rizzolatti na Itália. Rizzolatti liderava um grupo que observava as atividades motoras que alguns macacos faziam e a área do cérebro que era ativada quando esses movimentos aconteciam. Esses macacos estavam sendo monitorados, inclusive, por aparelhos, enquanto isso, outro grupo de macacos ficava esperando pelos experimentos, também sendo monitorados por aparelhos, porém sem comandos determinados.
Neste experimento foi possível observar que quando um macaco estava se mexendo, áreas específicas do seu cérebro eram ativadas, e essas mesmas áreas eram ativadas no grupo de macacos que só observava, como se estivessem “espelhando” a ação observada, mesmo que não estivessem de fato, executando a ação.
Mas afinal, qual a importância dos neurônios espelho? Eles são fundamentais para interpretarmos as ações das pessoas que nos relacionamos no nosso cotidiano. Conseguimos nos comunicar interpretando e produzindo empatia pela outra pessoa, quando nosso cérebro consegue sentir o que a outra pessoa sente a partir do seu comportamento motor.
Sendo assim, são um fator importante nas relações sociais e na aprendizagem por meio da observação.
O papel fundamental dos neurônios espelho na aprendizagem por observação
Até aqui já deu para perceber que a relação entre os neurônios espelho e a aprendizagem por observação é profunda. Quando observamos alguém realizando uma ação, eles se ativam, simulando mentalmente aquela ação em nosso próprio cérebro. Esse processo não apenas nos permite compreender a ação, mas também nos prepara para replicá-la. É como se estivéssemos praticando silenciosamente em nossa mente, preparando-nos para executar a ação quando necessário.
Esta situação, inclusive, pode ser observada na nossa prática do bocejo, em que sentimos vontade de bocejar, quando vemos alguém bocejando.
Através desta ativação, a aprendizagem por observação torna-se uma ferramenta poderosa para adquirir novas habilidades. Imagine uma criança assistindo a um adulto montar um quebra-cabeça. Ao observar atentamente os movimentos do adulto e suas interações com as peças, os neurônios espelho da criança entram em ação, permitindo-lhe entender os passos necessários para completar o quebra-cabeça. Posteriormente, quando a criança tenta montar o quebra-cabeça por si mesma, esses neurônios espelho já prepararam o terreno, facilitando a execução da tarefa.
É importante ressaltar que quanto maior o vínculo entre quem ensina e quem aprende, maior é a eficácia e melhor é a experiência de aprendizagem. Além disso, é muito importante considerar a contextualização para que o assunto a ser ensinado faça sentido para a criança.
Implicações dos neurônios espelho no desenvolvimento
O reconhecimento do papel dos neurônios espelho na aprendizagem por observação tem importantes implicações na educação e no desenvolvimento humano.
Em ambientes educacionais, por exemplo, os educadores podem aproveitar o poder da aprendizagem por observação para facilitar o ensino de novas habilidades e conceitos. Em vez de simplesmente instruir os alunos por meio de palestras e demonstrações diretas, os educadores podem incorporar mais atividades práticas e oportunidades de observação, permitindo que os alunos ativem seus neurônios espelho e internalizem o conhecimento de forma mais eficaz.
Além disso, o entendimento dos neurônios espelho lança luz sobre a importância dos modelos e mentores na vida de uma pessoa. Ao observar e interagir com modelos habilidosos e experientes, seja na vida real ou por meio de mídias como vídeos e livros, os indivíduos podem acelerar seu processo de aprendizagem, aproveitando a ativação dos neurônios espelho para adquirir novas habilidades e comportamentos.
Neurônios espelho e o autismo
Estudos sugerem que os neurônios espelho são ativados com defasagem em algumas pessoas com autismo. Lembrando, que cada pessoa com autismo possui as suas particularidades, ok? E se eles não são ativados proporcionalmente durante a observação de ação de outra pessoa, logo essa identificação, comunicação e resposta sobre os movimentos de outra pessoa, não ocorre da mesma maneira que em pessoas com desenvolvimento neurotípico.
Inclusive, você já ouviu dizer que pessoas com autismo tem dificuldade em compreender metáforas e ironias? Isso acontece, pois, para compreendermos metáforas e ironias, precisamos ter um repertório antecipado e uma percepção maior sobre o ambiente para interpretarmos o motivo. Seria aquela percepção além que chamamos de “pescar no ar” a informação.
Pessoas com autismo tendem a ter um raciocínio mais literal, pois os seus neurônios espelho absorvem os comportamentos do outro com certa defasagem, e isso impacta na forma como interpretam os contextos. O que também provoca um excesso de sinceridade e, por muitas vezes, dificuldades nas relações sociais.
Isso pode explicar, também, por que algumas pessoas autistas demonstram habilidades notáveis em áreas como memória detalhada, atenção concentrada e pensamento visual, enquanto podem enfrentar dificuldades em imitar comportamentos sociais típicos. Em vez de aprender automaticamente através da imitação, os indivíduos autistas podem depender mais da análise cuidadosa e da compreensão profunda de padrões e detalhes.
Como estimular a aprendizagem por observação em crianças autistas
Estimular a aprendizagem por observação em crianças autistas requer uma abordagem sensível e adaptada às necessidades individuais de cada criança. Aqui estão algumas estratégias que podem ajudar nesse processo:
- Modelagem direta e explícita: Demonstre as habilidades desejadas de forma clara e direta, utilizando gestos e linguagem simples. Repita as demonstrações várias vezes para dar à criança a oportunidade de observar e compreender.
- Uso de vídeos e recursos visuais: Utilize vídeos, imagens e outros recursos visuais para auxiliar na demonstração de habilidades e conceitos. As crianças autistas muitas vezes são aprendizes visuais, e esses recursos podem ajudar a reforçar a aprendizagem por observação.
- Reforço positivo: Forneça feedback positivo e recompensas quando a criança demonstrar comportamentos desejados após a observação. Isso pode incentivar a criança a imitar e internalizar as habilidades demonstradas.
- Quebra de habilidades em passos pequenos: Divida as habilidades em passos pequenos e sequenciais, facilitando a compreensão e a imitação para a criança. Avance gradualmente à medida que a criança demonstrar domínio em cada etapa.
- Incorporação de interesses pessoais: Identifique os interesses individuais da criança e incorpore esses interesses nas atividades de aprendizagem. Isso pode aumentar a motivação e o engajamento da criança no processo de observação e imitação.
- Promoção de interações sociais: Crie oportunidades para que a criança observe e interaja com seus colegas ou adultos em situações sociais estruturadas. Essas interações podem ajudar a criança a aprender por meio da observação e da imitação de comportamentos sociais e habilidades de comunicação, quando orientados e contextualizados.
- Flexibilidade e paciência: Seja flexível e paciente durante o processo de aprendizagem. Cada criança autista é única, e o tempo necessário para aprender novas habilidades pode variar. Celebre o progresso, por menor que seja, e esteja preparado para fazer ajustes conforme necessário.
Desafios e considerações futuras
Apesar dos avanços significativos na compreensão dos neurônios espelho e sua relação com a aprendizagem por observação, ainda há muito a ser explorado. Por exemplo, os pesquisadores estão investigando como fatores como empatia, idade e experiência afetam a atividade dos neurônios espelho e, consequentemente, a eficácia da aprendizagem por observação.
Os neurônios espelho representam uma das descobertas mais fascinantes da neurociência moderna, oferecendo conhecimento sobre como aprendemos e interagimos com o mundo ao nosso redor. Ao entender o papel fundamental deles na aprendizagem por observação, podemos aproveitar melhor esse processo natural e integrá-lo de forma mais eficaz em ambientes familiares, educacionais e terapêuticos.
Compreender sobre este assunto irá alinhar nossas expectativas sobre o comportamento de pessoas com autismo e irá nos direcionar em como atuar para que o desenvolvimento aconteça de maneira mais intencional.